Uma vez escoteiro, sempre escoteiro

Era uma vez quatro amigos inseparáveis. Viviam em Belo Horizonte e tinham uma vida parecida com a de milhares de outros jovenzinhos da mesma época. Porém, como ninguém é igual, diferenciavam-se dos seus contemporâneos por serem extremamente preocupados com a literatura e por formarem um grupo inseparável: um por todos e todos por um! Chamavam-se Paulo Mendes Campos, Otto Lara Resende, Hélio Pellegrino e Fernando Sabino.

Fernando Sabino, Hélio Pelegrino, Otto Lara Resende e Paulo Mendes Campos.

Vejamos o que têm a dizer:

Paulo: “O que existe entre nós não é um pacto literário, nem filosófico, nem poético, nem mesmo nada que pareça um arranjo, uma combinação ou uma congregação ideal. Foi a circunstância que nos reuniu com os mesmos interesses e com temperamentos muito parecidos, o que nos possibilitou, ao longo da vida, desenvolver uma grande amizade. Quanto a sermos todos mineiros, foi coincidência. Nunca houve o sentido de fazer um grupo literário, apenas tínhamos que gostar de literatura para poder bater um papo. Mas nós éramos uns enfants gâtés.

Otto: “O Fernando era um escoteiro exemplar, com grande convicção: era um verdadeiro discípulo de Baden Powell. O Hélio também foi escoteiro, mas um pouco relaxado; eu fui lobinho e depois escoteiro. O Paulo consta como tinha sido, mas acho que não chegou a ser. Tínhamos o mesmo chefe, o Geraldo Vieira. A sede dos escoteiros era na rua Sergipe, atrás da Secretaria do Estado. Ali nos encontramos os dois, Fernando e eu, pela primeira vez: eu tinha uns onze anos e ele, uns nove. Havia um fio solto dando choque e ele quis me passar um trote, mas não conseguiu. Costumo dizer que ele está querendo me dar um choque até hoje”.

Hélio: “Eu quero dizer que pude realizar a minha paixão da amizade através desse grupo. E falo em paixão, porque a amizade é uma paixão. Agora, se você quiser dizer psicanaliticamente que nessa paixão existem componentes homossexuais sublimados, tudo bom. Eu não tenho nenhuma dificuldade em dizer isso. Nós éramos talvez até tiranizadamente heterossexuais. Em Minas, o sujeito não tinha outra saída: estava condenado à heterossexualidade. Evidentemente tivemos uma amizade adolescente apaixonada e acho que podemos dizer isso tranquilamente. Nós fechamos esse bastião e declaramos guerra ao mundo: éramos geniais e o mundo era cretino…”.

Fernando: “De certa forma, acho que meus sonhos se realizaram, porque tudo tem sua época. Acho muito bom o meu passado e o meu presente também. Sou um homem de muita sorte, nasci virado para a Lua, tudo o que aconteceu comigo é bom. Sou fundamentalmente otimista, mas tenho uma visão um pouco desencantada da natureza humana. Sou um homem de fé: eu acredito e ponto. Mas tenho consciência da fragilidade da natureza humana. Ela é uma matéria extremamente frágil, e é exatamente aí que reside a sua possibilidade de salvação”.

Nandinho, Benjamim, Alão, F.S.

“Fui católico praticante, mas hoje me considero agnóstico. Deus existe, é lógico, só que não sei onde, nem como, nem por quê”, afirma Fernando Sabino.

Quem é este homem que se diz agnóstico mas crê, tanto na humanidade quanto em Deus? É mineiro e, surpreendentemente, segundo Otto Lara, conseguiu nascer em Belo Horizonte.

Diz Otto: “O mineirismo de Fernando é totalmente diferente do meu. Ele não entende nada da Minas Gerais que eu conheço. A Minas Gerais do meu livro O Braço Direito nada tem a ver com a de O Encontro Marcado. Esta é uma Minas de gente da capital; é uma Minas sem aquele peso histórico, sem aquele peso moral e social que tinham cidades como a minha, São João del Rei, dominadas pela Igreja (tudo lá, até as festas, era em torno da Igreja). Já a Belo Horizonte, a capital, onde nasceu o Fernando, era a fuga: primeiro, dos ouro-pretanos; segundo, dos funcionários públicos; e, terceiro, dizia-se que, quando o sujeito já tinha chegado até um limite, ou para educar os filhos, ou para ganhar dinheiro, ou para se aposentar, ia para lá. Então ela era uma cidade sem raiz, ninguém era de Belo Horizonte naquela época. Era uma cidade descaracterizada, quase como Brasília”.

Afora o incrível fato de ter nascido em Belo Horizonte (a 12 de outubro de 1923), Fernando teve uma infância parecida com a de outros meninos. Seu pai, Domingos Sabino, era procurador de partes e representante comercial; sua mãe, Odette Tavares Sabino, era a típica dona-de-casa e mãe mineira. Fernando era o caçula e bastante mimado; também era dos mais jovens do seu grupo (só Hélio era poucos meses mais novo). Talvez por isso Murilo Rubião o chamasse de Benjamim. Depois, nem Benjamim era: como Hélio Pellegrino gostava de pôr apelidos nos amigos, tornou-se Fernando Alão. Em casa, era Nandinho desde criança (o que, parece, não deixou de ser):

“Tenho certa aversão a coisas sérias, porque, no fundo, sou uma criança, no bom e no mau sentido. O que eu gosto mesmo é de brincar. Como romancista, eu me realizo quando consigo preservar uma inocência essencial, buscando uma espécie de espírito puro de criança. E isso, na vida adulta, se confunde facilmente com debilidade mental. O Viramundo tem muito de Carlitos e de Pantagruel, mas o grande mentecapto sou eu. O Viramundo é isso, essa mistura quase que impossível de pureza e inocência num ser adulto: um doido”.

Fernando Sabino, escritor mineiro (1923 – 2004)

Um mineiro em Nova York

Fernando fez o jardim da infância no Delfim Moreira; o primário, no Grupo Escolar Afonso Pena, e o secundário, no Ginásio Mineiro. Sempre com seu amigo Hélio. Só ao ingressarem na faculdade, em 1941, se separaram, pois Fernando cursou Direito e Hélio, Medicina (especializou-se em psicanálise). Os outros amigos estudavam em outras escolas, mas a amizade era tão grande que Otto chegou a fazer uma prova de Direito Romano para Fernando.

No ginásio, estudou junto com Hélio para a I Maratona Intelectual e empataram em segundo lugar: no ginásio, em Minas, e no Brasil. Otto diz que só ganharam porque ele não foi, pois teve um ataque de asma. Era muito doente naquela época, sofria de “asthma” (palavra que se escrevia com th na ortografia antiga): “Mas, depois da reforma ortográfica, melhorei muito”. Parece que não foi só então que Otto perdeu a vez. Anos mais tarde, deixou de fazer concurso para o Itamarati e não foi para os Estados Unidos. Fernando foi ser auxiliar do escritório comercial do Brasil em Nova York, viajando no mesmo avião com Vinicius de Moraes, em abril de 1946. As vacas eram gordas e a vida mais mansa: vivia-se com a família em Nova York, apenas com 500 dólares!

Um jovem muito prendado

Fernando era o protótipo do bom menino: escoteiro exemplar (dos 9 aos 13 anos); campeão mineiro de natação, nado de costas, por uns quatro anos; jovem escritor de contos desde os treze anos; e, eventualmente, o primeiro da classe. Às vezes, deixa transparecer em crônicas que não valeu muito a pena ser tão prendado.

Seu primeiro conto, uma história policial, foi publicado na revista de polícia Argus. Também mandava crônicas sobre rádio para um concurso da revista Carioca: quando era premiado, recebia vinte e cinco mil réis. Colaborou, eventualmente, em Vamos Ler e julgava ter adquirido independência econômica. Era o único dos quatro – embora todos gostassem muito de literatura e escrevessem – que desde cedo falava em ser escritor profissional.

“Eu, por exemplo – diz Otto –, nunca pensei que escritor fosse profissão. A gente achava que era missão, romantizava. E o depoimento que se recebia era do típico escritor funcionário, como era de praxe em Minas, ou de um escritor como Mário de Andrade, que era casado com a literatura. Doação total, morreu com 52 anos, mocíssimo!”.

Fernando Sabino também acabou por abraçar totalmente a carreira de escritor, aprimorando cada vez mais o gênero que o tornou conhecido, a crônica – embora tenha três romances de grande sucesso de público e de crítica. Publicou, ainda, um livro com três novelas policiais e adaptou-se perfeitamente ao gênero. Dentro da busca de novas formas literárias, também escreveu uma história relativa a quadros do pintor Carlos Scliar, num livro de arte para crianças. Diz ele: “Procuro suscitar uma emoção, usando o meu instrumento, que é a palavra. O artista é aquele que se propõe, através da sua arte, fazer com que a vida seja um pouco melhor, mesmo que se limite apenas a torná-la mais agradável para os outros. Cada um contribui com o que tem”.

Os peripatéticos

Em Belo Horizonte, os quatro moravam próximos uns dos outros: Fernando, na Praça da Liberdade; Hélio, na rua Bernardo Guimarães; Paulo, na avenida Paraúna, que hoje se chama Getúlio Vargas, e Otto, na rua Alagoas. Andavam juntos o tempo todo. Podia-se fazer o percurso desses quatro endereços a pé, no máximo num quarto de hora. Raramente andavam de carro. Primeiro, porque havia muito menos facilidade do que hoje; segundo, porque durante a guerra havia total racionamento de gasolina.

“A gente usava o bonde ou então era o pé dois mesmo”, diz Otto. “Um telefonema para o outro e um minuto depois eu e o Hélio nos encontrávamos no meio do caminho, num botequim da rua Tupis. Do ponto de vista topográfico, o Fernando talvez estivesse mais próximo, mas, quando ele fazia o CPOR, não podia dormir tarde. O Hélio também tinha aula muito cedo, então eu ficava com o Paulinho até mais tarde; ia até a casa dele levá-lo, depois ele vinha me acompanhar até a metade do caminho… Andávamos e conversávamos muito, éramos peripatéticos”.

Havia um cartório no meio do caminho

Em 1941, Fernando publicou seu primeiro livro, “Os Grilos Não Cantam Mais”, composto de contos a que depois não deu importância – sem motivo, pois eram muito bons para a idade e já delineavam o escritor que viria a ser. Enviou um exemplar a Mário de Andrade, e foi o início de uma correspondência duradoura.

Em 1944, quando cursava o terceiro ano da faculdade, mudou-se para o Rio de Janeiro e foi nomeado oficial do Registro de Interdições e Tutela. Mas não levou a sério a sua atividade de estudante de Direito. Nunca foi sequer buscar o diploma de bacharel:

“Dos cinco anos de Direito, praticamente só frequentei três; durante os outros dois, eu morava no estrangeiro e vim ao Brasil especialmente para fazer todos os exames de uma só vez no fim do curso. Já se vê que, em matéria de universidade, no meu tempo não era muito melhor”.

Quanto à atividade no cartório, além de não ter jeito para a coisa, Fernando frustrava-se profissionalmente.

“Com esse bloqueio para as coisas cartorárias mais elementares, eu não tinha a menor segurança. E me espantava muito que os titulares do cartório, amigos de Getúlio, gente do society, trabalhassem naquela sujeira, naquele prédio, velho que parecia um ninho de ratos. Eu estava doido para largar aquilo, inclusive porque o cartório era identificado com a ditadura. Era antipatizado por ser moço e ter um cargo vitalício. Acabei pedindo exoneração”.

Nova York ou “Suíte Ovalliana”

Ainda em 1944, Fernando Sabino publica A Marca (novela). Depois, vai para os Estados Unidos. De sua estada lá, destaca algumas coisas importantes, tais como: aperfeiçoar o inglês, tomar conhecimento mais íntimo com a obra de escritores de língua inglesa, ouvir jazz, aprofundar e aproveitar ao máximo a convivência com o compositor Jayme Ovalle, que lá vivia. Num sensível artigo, “Suíte Ovalliana” (de Gente), Fernando Sabino presta testemunho da grandeza de alma de Ovalle, cuja obra “não teve até hoje divulgação que fizesse justiça à sua grandeza de poeta e compositor”. Conta também um episódio divertido, em que mostra a outra dimensão do mundo de Ovalle, que vivia praticamente em órbita. O fato ocorreu num bar em Greenwich Village, onde estavam vários amigos, entre eles um refugiado espanhol, Manrique, que tinha um olho de vidro:

“Às tantas, Manrique tirou o olho e ficou brincando com ele sobre a mesa, como se fosse uma bola de gude. Alguém, que pode muito bem ser Fernando Lobo, pegou o olho e jogou-o dentro do copo de uísque de Jayme Ovalle. Este, distraído, e, para decepção geral, continuou a beber, sem nada ter visto. Mas a certa altura voltou-se para mim: ‘Acho que vou pedir outro uísque, porque esse aí não tira o olho de mim’.”

As crônicas que escrevia em Nova York eram enviadas regularmente para o Brasil e foram editadas sob o nome de A Cidade Vazia, em 1950. Foi lá também que ele gerou (mas a gestação incubou por 33 anos) O Grande Mentecapto: “Em 1947, eu morava em Nova York e estava escrevendo as novelas que compõem A Vida Real (publicado em 1932), textos muito voltados para uma preocupação de ordem literária, com muita especulação e muita perquirição; então eu me sentia cercado de literatura por todos os lados. Para fazer higiene mental, resolvi escrever, de pura brincadeira, sem a menor intenção de publicar e sem o menor compromisso com a literatura, um livro que não teria fim. Escrevi umas sessenta páginas e parei. Às vezes, pensava em retomar, mas não ia para frente”.

Anos mais tarde, Fernando mostrou o que já havia escrito à sua esposa, Lygia Marina de São Leitão Pires de Moraes, a quem o livro acabou  sendo dedicado. Ela adorou o trabalho e o entusiasmou a prosseguir. Incentivado, reescreveu o que estava escrito em uns dois dias e, no terceiro, já entrou num caminho novo e foi até o fim. Escreveu o livro todo em dezoito dias. Sucesso de público e de crítica, O Grande Mentecapto acabou recebendo, em outubro de 1980, o Prêmio Jabuti. É seu segundo romance.

“Puxar angústia” dói?

Seu primeiro romance, publicado em 1956, foi O Encontro Marcado que, desde então, tem tido sucessivas e ininterruptas edições. Agrada tanto aos jovens de hoje, como agradou aos jovens que leram a primeira edição. A esse respeito, diz Sabino:

“Vem, portanto, passando de geração a geração. O que me causa surpresa, porque não pretendi interpretar os problemas de geração alguma, nem mesmo da minha, mas apenas os meus, que eu pensava que eram estritamente pessoais”.

O fato de ficar tanto tempo sem escrever um segundo romance, além de provocar dos amigos e leitores eternas cobranças, inquietava bastante Fernando Sabino:

“Eu era um escritor, queria dedicar minha vida à elaboração de uma obra literária. Era essa a minha ambição. Nesse sentido, escrevendo aquele livro (O Encontro Marcado), eu estaria me entregando, jogando tudo de uma vez, matando a galinha dos ovos de ouro. Coisa que resolvi fazer deliberadamente, porque não queria mais ter ovos de ouro; passei a preferir os de verdade…” (como o personagem da novela “O Homem Feito”, de A Vida Real, que acaba afogando um menino, símbolo de sua infância, para poder sobreviver).

A respeito de O Encontro Marcado, diz Otto Lara Resende: “Tenho a impressão de que, mais do que a guerra, o que nos aproximou foi a consciência da nossa própria existência humana, da nossa própria adolescência, e creio que isso transparece no livro do Fernando, O Encontro Marcado. E essa consciência nos foi dada através da literatura e pelo convívio com os mais velhos. Nós éramos muito dramáticos e, ao mesmo tempo, tínhamos um grande senso de humor; então é preciso não levar muito a sério a nossa dramaticidade, aquela expressão “puxar angústia”, pois vivíamos permanentemente em angústia. E havia também o problema da relação homem-mulher, dos amores frustrados e irrealizados. Fernando foi mais feliz, pois casou cedo e não sofreu muitas frustrações naqueles namoros de adolescente”.

Que me interessa a posteridade se já estarei morto?

Apesar de não ser militante político, Fernando Sabino viajou por todo o Brasil como auxiliar de Juarez Távora, candidato à presidência em 1955.

Em 1963, foi nomeado redator do serviço público, em decorrência de colaboração regular que lhe encomendavam a Radio Ministério da Educação e a Agência Nacional. E, de 1964 a 1966, foi adido cultural da embaixada do Brasil em Londres, mantendo na BBC um programa semanal com a leitura de crônicas de sua autoria.

Além de literatura, fez também, com David Neves (câmera) e Mair Tavares (montagem), dez filmes sobre essa “gente”. A respeito desses depoimentos-reminiscências, diz o autor:

“Para mim, tudo é literatura. No caso das entrevistas, o Jornal do Brasil me pedira para fazer algo diferente. Então passei a fazer uma espécie de depoimento ao vivo de minha vida, através de pessoas com quem tinha convivido, com quem tinha alguma espécie de afinidade, de contato, de experiência pessoal, ou pelo menos que fosse do meu universo, do meu mundo. A mesma coisa fiz com relação aos filmes e os fiz com approach absolutamente literário, com uma visão minha, pessoal, e sobre pessoas com quem me dava. Do ponto de vista do cinema, nunca me atrevi a fazer ficção, porque é um outro gênero e não tenho realmente competência para, a esta altura da vida, me iniciar numa coisa dessa natureza. Cinema é um tipo de criação muito afim com a literatura. Eu não saberia, entretanto, dirigir atores, não tenho para isso a menor vocação. Já um documentário, assim como uma editora, é uma atividade ligada à literatura. Fiz outros filmes além dos literários, mas apenas de caráter comercial”.

A atividade de editor foi exercida juntamente com Rubem Braga, com quem fundou a Editora do Autor e, mais tarde, a Editora Sabiá. Em “Onde canta o sabiá” (Gente), Sabino conta como, por volta de 1960, resolveu tornar-se editor:

“Partimos do pressuposto de que, se o autor ganhava só 10% do preço de cada livro, o negócio era ficar com a parte do leão, que estaria nos outros 90%. Não nos ocorria que teríamos de arcar com o custo da produção, o ônus da distribuição e as despesas administrativas da editora, o que reduziria nosso lucro a pouco mais que os mesmos 10% do autor. Não se falando no risco do investimento”.

Fernando Sabino exerceu grande atividade na imprensa, colaborando em jornais e revistas. Posicionava-se como um trabalhador da palavra:

“Sou apenas um escritor. Intelectual é uma designação muito genérica, que parece contrapor-se à de trabalhador. Também somos trabalhadores, e os chamados trabalhadores também têm a sua dimensão intelectual”.

E fez um inventário do que ficou: “Meus haveres eram a literatura, a minha ambição literária, aquilo que Mário de Andrade chamava de minha ‘ganância estética’. No fundo, eu queria assegurar para mim um lugar na posteridade. Que me interessa, porém, a posteridade, se já estarei morto? De repente, eu me percebi como um idiota que se enfeitava para uma festa que, afinal, não haveria”.

Otimista incorrigível

Hoje, quem visita escolas para estimular o hábito da leitura entre os alunos é Bernardo Sabino, um de seus sete filhos. No projeto Encontro marcado com Fernando Sabino, os estudantes leem alguma obra do autor e, em seguida, realizam atividades artísticas e culturais, como teatro, dança, rap e grafite. “Meu sonho é ter um espaço dedicado à memória de meu pai em Belo Horizonte”, confessa o presidente do Instituto Fernando Sabino. Desde 2006, quando foi inaugurado, o projeto já atendeu milhões de alunos. No centenário do autor (2023), as cidades visitadas foram Cabo Frio (RJ), Itabira (MG) e Itabirito (MG).

Das muitas lições que aprendeu com Fernando Sabino, Bernardo destaca duas: a empatia e a solidariedade. “Meu pai tinha umas frases ótimas: ‘As coisas são como são e não como deviam ser – e muito menos como gostaríamos que elas fossem’, ‘O que não tem solução, solucionado está – não adianta gastar boa vela com mau defunto’ e ‘No fim dá certo. Se não deu, é porque ainda não chegou ao fim’. Mas a minha favorita é: ‘A única forma de resolver um problema nosso é resolver primeiro o do outro’.” 

Fernando Sabino nasceu em 12 de outubro de 1923, Dia das Crianças. E morreu em 11 de outubro de 2004, um dia antes de completar 81 anos, vítima de câncer no fígado. Foi sepultado no Cemitério São João Batista, em Botafogo, no Rio de Janeiro, ao som do gênero de que mais gostava: o jazz. Na lápide da sepultura, o epitáfio que ele mesmo inventou: “Aqui jaz Fernando Sabino. Nasceu homem, morreu menino”.

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