PINTO, Ziraldo Alves. Uma professora muito maluquinha. 9. ed. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1995. 120 p.

RESENHA CRÍTICA (Débora Suassuna, 1998)
Ziraldo fez muitas pesquisas, andou por diversos sebos folheando velhas revistas, comprou figurinos dos anos 40 para caracterizar ambientes e personagens da época em seu livro. As ilustrações são do próprio autor, muito embora aquelas referentes à professora estejam baseadas em desenhos de Alceu Pena, um dos maiores ilustradores que a imprensa brasileira já teve.
A história se passa em meados da década de 40, numa cidade pobre do interior, e trata da importância que teve para os cinco narradores a metodologia de trabalho da professora que lhes ensinara. O que a diferenciava dos demais educadores de seu tempo era a maneira democrática como encaminhava o ensino: não havia castigo, as atitudes problemáticas eram submetidas a um julgamento durante o qual todos tinham o direito de opinar; havia uma preocupação interdisciplinar, sempre que o processo de ensino/aprendizagem enveredava mais profundamente por uma área específica de conhecimento, estimulavam-se as excursões pelo ginásio, em busca dos professores especialistas que pudessem tirar as dúvidas; havia jogos e concursos para premiar as habilidades de cada aluno, de forma que, ao final do ano, todos tivessem sido contemplados.
Outro aspecto que diferia a professora dos profissionais da área era sua concepção mais ampla de leitura: para ela, essa atividade não deveria restringir-se aos compêndios indicados nas listas de materiais adotadas pela escola nem limitar-se a uma prática de sala de aula, apenas. Isso permitiu que seus alunos logo cedo desenvolvessem o gosto por livros e revistas dos mais variados assuntos e passassem a interessar-se por muitos dos temas que as leituras suscitavam.
Como era de se esperar, a professora passou a enfrentar profundas resistências na própria escola em que lecionava, sofria incompreensão da parte dos demais professores e, aos poucos, começou a inquietar as famílias de seus alunos. Inseguros, os pais a procuraram, exigiam que os livros comprados fossem utilizados e que ela passasse deveres de casa. A tensão que começou a ser gerada na escola e nas relações com as famílias pode ter sido decorrente de uma falta de compreensão quanto aos instrumentos de avaliação adotados pela professora: contínuos, ao longo de todo o ano letivo, favorecendo a participação dos próprios alunos nos julgamentos.
Ora, se a escola ainda hoje não está preparada para pôr em prática tais recursos, é fácil imaginar a dificuldade de aceitação de uma iniciativa dessa natureza nos anos 40. Não convencida da validade dos critérios de avaliação adotados pela professora, a equipe pedagógica da escola aplicou em sua turma as tradicionais provas nas quais foram cobrados os conteúdos esperados de crianças da série em questão.
O resultado não poderia ser outro: os garotos foram reprovados, e a professora, demitida da instituição. E parece ser justamente nessa vitória, nessa segurança do tradicionalismo educacional que muitos professores ainda “se agarram” para justificar sua acomodação quanto ao compromisso de fazer do processo de aprendizagem um prazer tão grande quanto o experimentado pelos alunos da “professora muito maluquinha”.
O maior mérito do livro é levar o leitor a repensar atitudes autoritárias que o mesmo tende a repetir historicamente. Mais especificamente com relação aos professores, a história sugere uma revisão de sua prática pedagógica. Isso porque há, de uma maneira geral, uma tendência por parte dos educadores de repetir os métodos, conteúdos e instrumentos de avaliação vivenciados por eles mesmos ao longo de sua trajetória escolar. Na verdade, a comodidade dessa situação os faz transferir as dificuldades de implementação de uma mudança nesse sentido para outras pessoas ou para as instituições de que fazem parte.
O livro também deixa claros os empecilhos enfrentados por corajosos educadores que, em épocas passadas, decidiram romper com esse modelo mais tradicional de educação (ainda hoje largamente praticado nas muitas escolas das esferas pública e privada). Dirige-se ao público em geral, incluindo crianças e adultos, mas pode representar uma leitura ainda mais rica para professores de todas as áreas. O estilo simples, leve e mesmo divertido, característico do autor, não reduz seu ponto de vista crítico sobre o assunto: ler é uma alegria e pode ser até mais importante que estudar (“estudar”, no sentido mais tradicional do termo).
